Qualquer pessoa que tenha a possibilidade de passear pelas tabancas e bolanhas da Guiné-Bissau poderá constatar a admiração que a população tem pelo arroz local. Para as etnias que lavram o arroz, o seu cultivo é um elemento identitário e o seu principal sustento alimentar e nutricional.
Distribuição do trabalho na lavoura de arroz
Melhorar a transformação e conservação do arroz é um dos principais desafios do projeto Ianda Guiné! Arrus, aspeto determinante para o aumento dos rendimentos e para a redução da insegurança alimentar das famílias produtoras de arroz. Nas áreas de intervenção do projeto, a maioria da população, das etnias Balanta, Pepel e Nalú, está vinculada tradicionalmente à lavoura do arroz . Ora, o processo da transformação e conservação do arroz, em particular, é a dimensão mais feminina da lavoura do arroz. Mas a mulher rural sente-se exausta, porque o contexto para a lavoura do arroz continua a ter condições muito duras. Neste sentido, as mulheres mais velhas acreditam que as jovens irão desistindo com o tempo na procura de outras alternativas mais seguras e menos pesadas.
Nestas comunidades, a distribuição do trabalho no decurso da lavoura do arroz é habitualmente paritária: tanto os homens como as mulheres têm papéis muito claros. Esta distribuição do trabalho entre os homens e as mulheres não significa que haja igualdade no controlo e acesso aos recursos, nem que esteja assegurada a participação ativa em processos de tomada de decisão que afetam a comunidade em geral e a família, em particular. Como exemplo, a terra de cultivo pertence ao homem da família e o produto final resultante do trabalho coletivo da família também está sob o controlo do chefe da família (homem). Para conhecer melhor e valorizar qual é o papel de cada membro familiar nas tarefas da lavoura, é necessário desgregar os diferentes trabalhos em todo o percurso do processo de cultivo até o armazenamento do arroz.

Relatos da lavoura
“No kansa trabadju di arrus de” – Estamos cansadas da lavoura de arroz!
As mulheres da vila de Impasse, situada no norte do país, no setor de Encheia, relatam em primeira pessoa como estão organizadas as tarefas e como vivem a situação:
“A bolanha e o arroz pertencem ao marido, é ele quem toma as decisões apesar das mulheres também se esforçarem muito nos trabalhos da bolanha”.
Todas as mulheres da vila trabalham na bolanha, incluindo grávidas e idosas. Os meninos começam a trabalhar nas bolanhas como vigilantes (da invasão dos animais) a partir dos 5 e 6 anos e as meninas participam na descasca manual junto das mães nessa mesma idade.
A monda é responsabilidade das mulheres, o plantio e a lavoura é partilhado entre homens e mulheres, o corte do arroz é trabalho dos homens. O transporte do arroz da bolanha para casa cabe exclusivamente às mulheres e são elas que pilam (descascam) o arroz durante cerca de 5 horas diárias para pilar uma bacia de arroz . Para elas, o trabalho mais pesado é o transporte do arroz da bolanha para casa, devido à distância que elas percorrem com tanto peso e às perdas do arroz pelo caminho. Frisaram o perigo que correm ao realizarem o transporte do arroz com as quedas na bolanha, por vezes graves, em que chegam a aleijar-se. Também sentem dores no peito por causa do peso que carregam.
Além dos trabalhos da bolanha, as mulheres realizam outras atividades produtivas como a pesca e a horticultura para complementar a alimentação familiar e, se podem, vendem os pequenos excedentes para cobrir outras necessidades domésticas e pessoais como a escolarização das crianças e a saúde familiar. Nesta área sentem-se mais orgulhosas porque têm a sensação que o trabalho é mais leve e elas tomam as decisões sobre o seu próprio rendimento, sem dependência do homem.
Na vila vizinha de Uncur, a comunidade tem beneficiado desde há alguns anos de outros projetos de desenvolvimento junto da LVIA (organização implementadora do Ianda Guiné! Arrus) para a promoção da fileira da rizicultura de mangal. Ao descrever o seu trabalho vinculado à agricultura de mangal, as mulheres da comunidade expõem orgulhosas que já faz muito tempo que não descascam o arroz manualmente. No passado beneficiaram de equipamentos para a descasca e isso facilitou-lhes muito a vida. Agora têm tempo para outras tarefas. E ainda que por vezes a máquina não funcione por falta de manutenção, acabam por encontrar soluções porque não querem volver à sua situação anterior. Algumas exclamam que tinham “o peito roto de carregar e descascar o arroz, um trabalho duro de mais para fazê-lo cada dia”. Antes de terminar a conversa nos dizem com a voz um pouco fechada, para os homens não ouvirem, que “se no futuro houver possibilidade de ter mais máquinas para a debulha de arroz, descascadora ou veículo, como é o seu trabalho, melhor serem elas a gerir”. Nas mais jovens é visível a vontade e energia de aproveitar novas oportunidades e ter outras perspetivas de vida.
A componente de transformação e armazenamento do arroz do projeto pretende neste âmbito, por um lado, aliviar o esforço físico e atenuar a carga horária dedicada ao processamento do arroz mediante a introdução da mecanização com tecnologia adaptada as condições locais. Por outro lado, pretende reduzir drasticamente a perda pós-colheita, garantindo um melhor rendimento da produção e permitindo às famílias ter acesso a uma maior disponibilidade alimentar e a um maior rendimento económico. A parte da transformação da produção será aquela que poderá ter um impacto socioeconómico maior para mulheres, e em consequência, no seio das comunidades: rendibilidade produtiva (por reduzir as perdas após a colheita); as mulheres terão tempo para outras atividades de rendimento ou descanso; e, principalmente, o aumento de disponibilidade alimentar de arroz local com alto valor nutricional.
Garantir a sustentabilidade das soluções
No nível da sustentabilidade das soluções técnicas que deverão ser implementadas resulta essencial conseguir uma quantificação muito realística das capacidades de produção e das necessidades de transformação em cada área de intervenção que permitam desenhar as soluções de mecanização e tecnologia adaptada ao contexto local, e a sua vez, consigam ser rentavelmente sustentáveis. Outras das chaves para a sustentabilidade na introdução de novos equipamentos, infraestruturas e recursos é a escolha de quem deve gerir os centros, quando e como, sejam estes grandes ou pequenos. A intervenção externa e a inclusão de recursos para benefício da comunidade, e nem uma intervenção de grande investimento financeiro como o Ianda Arrus! são, por si mesmos, garante de êxito.
A equipe do projeto, consciente deste facto, trabalha para assegurar que a comunidade seja o motor do seu próprio desenvolvimento. É preciso acompanhar todos os agentes envolvidos nas dinâmicas que levarão a esta mudança, o caminho da profissionalização da fileira do arroz de mangal. Visibilizar e reconhecer o trabalho da mulher agricultora, criar condições para a participação ativa das mulheres nos processos de decisões que envolvem a toda a comunidade e facilitar a igualdade no acesso dos recursos é a base sobre como metodológica e eticamente a equipe do Ianda Arrus! deve trabalhar. Acompanhar nunca deverá significar lecionar, acompanhar nunca deverá pressupor julgar, acompanhar nunca deverá significar decidir o lugar e o espaço que cada um deve ocupar. Este é um desafio transversal e essencial porque gerir bem o processo de câmbio promovendo a integração de todos os agentes implicado(a)s deverá contribuir para um desenvolvimento sustentável nas comunidades rurais.