A agroecologia pode ter uma importância fundamental num contexto como o da Guiné-Bissau. Para tal, é essencial a adaptação da abordagem à realidade local, como no caso da horticultura, que se trata de uma prática maioritariamente feminina no país. Estas conclusões são avançadas pela Ação Ianda Guiné Hortas, que tem realizado um trabalho de fundo nesta área no Setor Autónomo de Bissau, evidenciando ainda os resultados positivos obtidos na experiência de promoção de microprojetos.
Agroecologia e agricultura em pequena escala: soluções sustentáveis para os desafios globais
Perante os numerosos desafios que a agricultura enfrenta atualmente, a transição agro-ecológica é uma solução cada vez mais procurada pela sociedade civil e pelas organizações internacionais implantadas na Guiné-Bissau, sem esquecer as organizações de agricultores e os agricultores individualmente. Está também cada vez mais presente nos debates científicos, agrícolas e políticos internacionais.
Muitas vezes reduzida apenas às práticas agrícolas, a agroecologia é indissociável da sua componente política. Oferece uma verdadeira alternativa social para alcançar sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis, atacando as causas profundas dos problemas e fornecendo soluções globais sustentáveis a longo prazo.
A agroecologia é uma abordagem global que abrange três domínios complementares e inseparáveis:
- Uma ciência dos ecossistemas agrícolas baseada no saber fazer agrícola;
- Um conjunto de práticas agrícolas que respeitam o ambiente e se inspiram nas leis da natureza;
- Um movimento social para defender uma agricultura e sistemas alimentares justos.
A agricultura familiar e camponesa é um sector cujo crescimento demonstrou ser 2 a 4 vezes mais eficaz na redução da fome e da pobreza do que qualquer outro sector. A agroecologia provou ser a melhor abordagem agrícola para garantir o direito à alimentação para todos, responder à crise climática e assegurar meios de subsistência dignos para os agricultores do nosso país.
Para os países frágeis como a Guiné-Bissau, que depende grandemente da importação de alimentos para o consumo da sua população, o impacto negativo das alterações climáticas na agricultura, poderia servir de oportunidade para a adoção de estratégias e medidas de política pública que possam mitigar os riscos inerentes e a resiliência dos pequenos produtores e produtoras.
Há, atualmente, no interior do Sector Autónomo de Bissau mais de 140 ha utilizados para a horticultura e a maior parte é cultivada nas zonas periurbanas. A agricultura urbana e periurbana desempenha um papel importante no abastecimento da cidade de Bissau com produtos frescos, especialmente vegetais. Todavia, a capital continua a importar uma grande proporção dos seus alimentos, ao mesmo tempo que a população urbana cresce (1/3 da população total do país vive em Bissau).
O crescimento da população urbana e a extensão das zonas residenciais e industriais é feito em detrimento dos espaços agrícolas. A insegurança da posse da terra não encoraja os produtores a investirem (em irrigação, por exemplo), a vulnerabilidade do contexto (lixos, resíduos tóxicos, água contaminada, etc.) onde as produtoras trabalham causa imensos desafios à sua saúde, e as políticas de planeamento urbano não incluem o acesso à terra para a agricultura urbana.
Paralelamente, observamos um aumento das alterações climáticas, com perceptíveis variações das precipitações anuais e um encurtamento da estação chuvosa. A água é a principal limitação da maior parte dos sistemas hortícolas da zona e esta tendência deverá intensificar-se nos próximos anos.
A falta de apoio técnico e os conhecimentos técnicos limitados das horticultoras sobre os insumos químicos (pesticidas e fertilizantes) disponíveis na Guiné-Bissau resultam numa utilização inadequada e, frequentemente, excessiva dos produtos. Isso prejudica a saúde dos produtores, dos consumidores, dos solos e da água.
A agroecologia responde a muitos desses desafios encontrados pela agricultura na Guiné-Bissau. Nomeadamente com práticas de gestão da água, da fertilidade dos solos e das pragas e doenças que são baseadas em conhecimentos e matérias-primas locais, económicos e facilmente acessíveis.
A agroecologia é parte integrante do trabalho da ESSOR, que se desenvolve a partir de uma metodologia participativa baseada na troca de saberes entre os horticultores, na reflexão colectiva, na aprendizagem de práticas agroecológicas que respondem aos problemas identificados pelas horticultoras e na difusão destes princípios para além das zonas de intervenção, graças à mobilização de pessoas chave nestas zonas.
Para além de reforçar os conhecimentos técnicos das mulheres agricultoras, melhorando assim a sua profissão, a Ação apoia o fortalecimento das redes sociais de pequena escala existentes, que ajudam a apoiar e a reforçar a resiliência das mulheres horticultoras. Isso permite também de fortalecer os pequenos circuitos de alimentos saudáveis para a população.
Graças aos programas de desenvolvimento, as práticas agroecológicas começam a difundir-se em Bissau, mas de modo muito heterogéneo entre os diferentes sítios. Portanto, o outro grande desafio consiste em apoiar uma estratégia a longo prazo para sustentar as dinâmicas locais, com a criação do polo de competência, a realização de lobby junto das instituições locais para obter maior reconhecimento e proteção jurídica, ou a introdução de um sistema de garantia participativo.
A abordagem multidimensional do projeto à situação das mulheres horticultoras de Bissau
A fim de ter uma melhor abordagem da situação das mulheres na Guiné-Bissau, a Ação teve de, em primeiro lugar, contextualizar a situação das mulheres no país e o seu papel na sociedade.
Cerca de 60% das mulheres vivem em zonas rurais e 40% em zonas urbanas e periurbanas. A estrutura familiar baseia-se num modelo patriarcal, em que o marido é o chefe de família e representa a mulher na vida pública. A horticultura é praticada em 95% por mulheres e apenas 5% por homens.
A ESSOR trabalha particularmente com mulheres vulneráveis: a percentagem de alfabetização das beneficiárias é de cerca de 50% e a metodologia de implementação está adaptada a este público-alvo. Os cursos de formação são participativos, baseados nas necessidades e nos conhecimentos das mulheres, a fim de dar a melhor resposta possível aos seus problemas, mas também para tirar o máximo partido dos seus saberes e saber fazer. A abordagem da formação também se baseia na experiência prática e na implementação de experiências nas parcelas das próprias beneficiárias. As trocas de experiências organizadas entre as horticultoras contribuem igualmente para aumentar e reforçar a confiança das mulheres nas suas competências e para as formar na sua transmissão.
A ação Ianda Guiné Hortas (SAB) aborda as seguintes questões:
– Falta de adaptação da agricultura ao contexto local, influenciada pela agricultura convencional: as experiências realizadas pelos grupos de Formação Agrícola Participativa (FAP) em Bissau permitiram desenvolver os tipos de sementes mais produtivos ou biopesticidas facilmente produzidos a partir de plantas locais (por exemplo, biopesticidas à base de malagueta, folhas de papaia, etc.).
– Insuficiência de formação e de recursos: a formação externa à agência ministrada no âmbito de microprojetos ou a agentes públicos, contribui para a difusão de conhecimentos e de saber fazer.
– Dificuldade de promoção e de acesso aos mercados: graças às várias ações de sensibilização desenvolvidas, como a publicidade na rádio e a organização de feiras (por exemplo, o mercado semanal no Centro Cultural Franco-Bissau Guineense), foi possível aumentar a procura e expandir a oferta.
A abordagem baseada na ação foi concebida para sensibilizar os horticultores e demonstrar a importância de adotar novas práticas que sejam boas para o ambiente e para a sua saúde.
Num contexto de insegurança fundiária, as mulheres estão em desvantagem no que respeita à herança, pelo que a sua situação é ainda mais precária e têm menos capital disponível. Assim, para além de apresentar práticas agrícolas económicas adaptadas à partilha do espaço com outros actores, a formação de beneficiárias incluiu a sensibilização para os seus direitos. O 11º módulo da Formação Agrícola Participativa 2 centrou-se na compreensão da Lei da Terra e o seu Regulamento de aplicação. O módulo 20 centrou-se no género e nas suas implicações em todos os domínios (incluindo a questão fundiária).
Foram ainda criados espaços de concertação para discutir as questões relacionadas com a agricultura urbana e a sua sustentabilidade, para chamar a atenção dos órgãos públicos de decisão e de legislação sobre estas questões.
A experiência de apoio à implementação de microprojetos
Os microprojetos apoiados pela Ação abordam questões relacionadas com o acesso a pequeno material agrícola, a sementes locais e aos insumos orgânicos (biofertilizantes e biopesticidas), a fim de reforçar a fileira hortícola e promover iniciativas locais.
Os microprojetos fazem parte do processo de capacitação económica e de autoemprego das beneficiárias, e são realizados na sequência de um módulo sobre a gestão económica da sua exploração agrícola durante o curso de formação. A realização destes microprojetos reforça os conhecimentos de gestão económica e financeira transmitidos durante os cursos de formação e os instrumentos apresentados (caderno de acompanhamento das receitas e das despesas). Para muitas beneficiárias, esta é a primeira vez que têm de gerir um negócio, de venda de produtos de que necessitam (insumos naturais, pequeno materiais, etc) e em que os seus pares são os alvos diretos das suas vendas.
Os beneficiários dos microprojetos são igualmente apoiados na criação e aplicação de uma estratégia de comercialização mas também na organização da sua estrutura. Os conhecimentos adquiridos são consolidados através de um acompanhamento técnico e financeiro durante um período mínimo de 6 meses após terem atingido um nível de rentabilidade significativo. Dos 23 projetos financiados em 2022 e 2023, 6 já são rentáveis, incluindo 1 que atingiu a rentabilidade no seu segundo mês de execução.
Para as mulheres que dispõem de muito poucos meios de acesso ao crédito e de investimento, os microprojetos representam uma oportunidade real de aumentar significativamente o seu rendimento económico e, consequentemente, a sua independência financeira.
Foram ainda realizados encontros entre microprojetos, que tiveram lugar em sessões plenárias, com uma abordagem participativa e interactiva entre os participantes. Os responsáveis apresentaram a sua experiência de implementação dos seus microprojetos, deparando-se frequentemente com as mesmas dificuldades. Em particular, nos microprojetos colectivos, nem todos os membros estão igualmente empenhados, o que torna a gestão complicada. No entanto, alguns membros altamente motivados levam o grupo para a frente, precisando, ainda assim, de apoio na sua gestão.
A Ação Ianda Guiné Hortas do Programa da União Europeia, Ianda Guiné, é implementada no Setor Autónomo de Bissau pela ESSOR.