Chamo-me Isis da Costa Semedo. Sou funcionária do Programa Alimentar Mundial (PAM). Sou assistente para o Seguimento e Avaliação dos projetos que o PAM implementa na Guiné-Bissau. Gosto muito do que faço porque é uma função que, em geral, tem muito contacto com a comunidade. A nossa intervenção permite-me entrar em contacto com as pessoas, a realidade, e ter uma visão do que é realmente a Guiné-Bissau.
Nasci no estrangeiro, enquanto os meus pais estudavam, mas considero ser de Bissau porque os meus nasceram e cresceram cá apesar de terem vindo de fora. Os meus avós paternos vieram de Geba, na região de Bafatá. A parte materna é um bocado mais variada. O meu avô materno veio de Cacheu, a minha avó materna é de Bolama.
Fiz toda a minha vida em Bissau. Escola primária, ciclo e liceu. Em 2006, até 2011, fui estudar para a Argélia. Fiz Sociologia, Organização e Trabalho. Quando voltei estive praticamente dois anos sem trabalhar. Em 2013 comecei a trabalhar no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP). Lá tive muitas oportunidades de formação interna sobre Metodologia de Pesquisa, Seguimento de Indicadores. Também tive formações fora do país sobre Planificação, Recursos Humanos. Tudo ligado a instituições de ensino superior e de pesquisa. Também tive a oportunidade de concorrer a uma “fellowship”. Foi um estágio num instituto de estudos em segurança. O programa permite consolidação como consultora iniciante. Voltei em 2017.
Por questões de crescimento profissional percebi que deveria mudar de instituição ou de profissão. Acabei por mudar de instituição e fui para a Plan Internacional, como responsável para o Seguimento e Avaliação de um projeto de saúde comunitária em Bafatá. Morei dois anos lá. Depois comecei no PAM, de 2019 até à data. Continuo com o seguimento e avaliação de projetos de Cantina Escolar, de resiliência… Também faço mapas de intervenções do PAM na Guiné-Bissau. E este é o meu percurso.
Eu sou um bocado ambiciosa com os meus sonhos. Acho que todas as pessoas devem ter ambição. No bom sentido, não no sentido pejorativo. Acho que uma pessoa sem ambição não tem sonhos. O meu sonho como mulher é formar uma família e ter um lar.
Escolhi viver na Guiné-Bissau. O meu sonho é ver as mulheres no país no qual escolhi viver serem autónomas. Vê-las à altura de contribuir como os seus maridos contribuem. Vê-las com oportunidades porque elas são capazes de fazer muito, basta terem oportunidades. Sem pressão. Por vezes dão-nos oportunidades e pressionam-nos até ficarmos bloqueadas. É certo que as mulheres e os homens têm ciclos diferentes. Umas dão à luz e têm aquele momento de reconstituição para recomeçar, mas isso não significa nada. O meu sonho é que nos deem oportunidades.
Para o Ianda Guiné! Kume dritu o meu sonho é ver os resultados das duas componentes refletidas na população. A mudança de comportamentos nutricionais e o desenvolvimento de estratégias resilientes para melhorar a segurança alimentar de mulheres, crianças e homens desta terra. Só com estratégias resilientes podemos dizer que este projeto se reflete na vida das pessoas. Não podemos fazer só por fazer. Qual a evidência que isto terá valor no futuro? O que é que a população vai fazer quando o projeto acabar? Com estratégias resilientes mesmo que o projeto acabe veremos evidências do seu impacto positivo.
O desenvolvimento de um país começa sobretudo pela educação, em dois aspetos. A educação familiar: no saber estar, saber respeitar a sociedade. E a educação de um sistema educativo sólido, capaz de dar ferramentas a cada criança deste país. Lá podemos consolidar os outros serviços de base.
O desenvolvimento de um país começa quando cada um tem o mínimo para a sua sobrevivência: água, luz, comida. Quando a população tem fome há sempre choques. Uma pessoa com fome não está à altura de resolver muitos problemas. Projeto uma Guiné-Bissau resiliente e autónoma.
A resiliência de uma pessoa, principalmente uma mulher, não vem apenas dos estágios e oportunidades. Vem de fazer um esforço e “correr atrás”. Eu tive oportunidades na minha vida. E se não me tivesse esforçado e me tivesse acomodado ao meu trabalho e ao meu salário? Devemos ter ambição de crescer sem pisar nem atropelar ninguém. As pessoas que encontramos no nosso caminho estão lá para nos ensinar. Por mais educados, instruídos que sejamos, as pessoas no nosso caminho podem-nos ajudar a ir mais longe.
Digo às mulheres da Guiné-Bissau que não deixem ninguém vos dizer que não podem. Vocês é que decidem e comunicam se não puderem. Quem quiser fazer algo por vocês deve deixar que vocês expliquem o que querem. Porque nada é para mim, sem mim.
Dezembro de 2022
A série de testemunhus Bim Kunsinu (Venha conhecer-nos, em crioulo) é criada a partir dos testemunhos de funcionários das Ações Ianda Guiné, dados no contexto do programa radiofónico produzido pela Unidade de Coordenação. Cada funcionário descreve, em crioulo, as suas funções dentro da respetiva Ação, o seu percurso profissional e de vida, e os seus sonhos pessoais e para o futuro da Guiné-Bissau. Queríamos que estes testemunhos saíssem do plano radiofónico e alcançassem o público que nos acompanha virtualmente, para que as histórias de vida destes funcionários sejam conhecidas. Cada testemunho Bim Kunsinu foi transcrito, traduzido e editado para clareza das entrevistas radiofónicas originais.