“A organização em associações ou coletivos femininos constitui uma importante força de aprendizagem, ampliação das suas vozes e aumento das capacidades de participação, liderança e resiliência face às desigualdades de género.”
Esta é uma das conclusões do Estudo “Género e participação das mulheres no programa Ianda Guiné! – perspetivas e desafios de mudanças sociais“, que a partir de agora passa a estar disponível online, com acesso livre. A respeito desta ocasião, falámos com a investigadora Birgit Embaló, que foi coautora do estudo com a especialista de género Cleunismar Silva.
Ianda Guiné! (IG!): Quem é a Birgit Embaló?
Birgit Embalo (B.E.): Sou investigadora sénior do Instituto Nacional de Estudos Pesquisa da Guiné-Bissau (INEP) há cerca de 20 anos. Sou natural da Alemanha. Nos últimos 7 anos, tenho feito investigação sobre questões de transversais na Guiné-Bissau, incidindo na questão de género, nas mudanças climáticas e na gestão de desastres e epidemias. Mantenho sempre a abordagem na transversalidade do género.
IG!: Qual a importância da realização do estudo “Género e participação das mulheres no Programa Ianda Guiné: perspetivas e desafios de mudanças sociais”?
B.E.: O Plano de Ação da União Europeia em matéria de Igualdade de Género e de Empoderamento das Mulheres (GAP III, 2021-2025) estabelece a promoção da igualdade de género como prioridade central em todas as ações externas da União Europeia. Este estudo foi motivado pela necessidade de alinhar as atividades do Ianda Guiné! com este plano estratégico, assegurando uma intervenção transversal de género em todas as iniciativas do programa.
IG!: O estudo aponta que “as mulheres permanecem desproporcionalmente afetadas pela pobreza e discriminação de género”. Quais são os dados dentro do Programa mais surpreendentes em relação a essa afirmação?
B.E.: A análise revelou que as mulheres trabalham predominantemente no setor informal, especialmente na produção e venda de alimentos, recebendo salários significativamente menores que os homens, mesmo quando possuem qualificações semelhantes. Além disso, as responsabilidades domésticas das mulheres – cuidar de doentes, filhos e idosos – restringem o seu tempo disponível para buscar outras fontes de renda. No contexto das iniciativas de gestão económica, como a criação de galinhas, hortas e produção de arroz, a educação financeira foi fundamental para empoderar economicamente as mulheres. Em Cacheu e Oio, cooperativas formadas por mulheres beneficiaram de formação e apoio técnico, apesar dos desafios impostos pela pandemia de Covid-19.
IG!: O estudo menciona a “ausência inicial de uma estratégia de género comum na elaboração das Ações”. Como essa ausência afetou os resultados do programa?
B.E.: A ausência inicial de uma estratégia comum de género foi uma limitação significativa do programa, resultando numa abordagem fragmentada das questões de género: cada unidade implementadora desenvolveu as suas próprias estratégias, o que, embora refletisse um esforço para integrar o género, evidenciou a necessidade de uma coordenação centralizada para maximizar o impacto. Por exemplo, os projetos de infraestruturas e produção agrícola mostraram debilidades na conceção e implementação de estratégias de comercialização que reforçassem o coletivo feminino.
IG!: Quais foram as principais resistências culturais enfrentadas na promoção da igualdade de género e como foram superadas?
B.E.: Resistências culturais significativas foram encontradas, especialmente em ações como IG! Luz ku Iagu, Arruz e Estradas, onde a participação feminina nos comités de tabanca e grupos de foco foi inicialmente baixa. Para superar esses desafios, foram implementadas iniciativas para aliviar as responsabilidades domésticas das mulheres, permitindo-lhes mais tempo para participar ativamente. A administração conjunta do Sistema de abastecimento de água em Mansoa e a instalação de quebra-molas nas estradas são exemplos de soluções propostas pelas mulheres para melhorar a segurança e a eficiência no uso dos recursos.
IG!: Qual o papel dos homens na construção da igualdade de género?
B.E.: Há muita sensibilização por ser feita. Alguns homens ajudam, mas outros não gostam de trabalhar com mulheres. As mulheres têm associações comunitárias. Usamos a metodologia participativa Djuntu, onde intervêm três grupos um constituído apenas por mulheres de homens, outro apenas por mulheres e outro por jovens. Cada grupo apresenta uma proposta que é levada a votação, o grupo vencedor implementa a proposta com o auxílio dos outros grupos. Mesmo quando as propostas das mulheres são aceites, elas precisam ainda mais da ajuda dos homens devido ao grau de escolaridade, precisam deles para preencherem os documentos e formulários e na gestão financeira da proposta. Elas não têm a capacidade de gerir sem a participação dos homens.
IG!: Quais são as principais lições aprendidas deste estudo que podem ser aplicadas em futuros projetos de desenvolvimento na Guiné-Bissau?
B.E.: Para o próximo programa da União Europeia, é necessário desenvolver um plano estratégico de integração e igualdade de género que acompanhe todas as fases do programa, desde a sua elaboração, à implementação, à monitorização e avaliação. As atividades são diferentes e precisamos identificar os pontos de integração ideais para dar mais visibilidade, trabalhar com ações afirmativas definindo quotas e percentagens da participação feminina. O programa deve prever um número esperado de mulheres e ter um orçamento destinado a essas ações.
É ainda essencial considerar os recursos humanos disponíveis, sendo que três quartos dos colaboradores são homens. Vemos um equilíbrio maior em Bissau, mas nas áreas remotas há um grande desequilíbrio. É necessária mais formação para as mulheres, nesse campo. O Manual de Género (produzido no âmbito do Programa), distribuído desde abril de 2023, ajuda os animadores a trabalharem melhor com dinâmicas sob os temas do dia-a-dia. Vimos, também, que estes atores da mudança – os animadores – precisam de mais formação básica e mais tempo para disseminar os conteúdos de género.
A segunda lição aprendida relaciona-se com a necessidade de mais formação, alfabetização funcional e cursos de liderança para aumentar a autoconfiança das mulheres. Uma boa implementação do manual de género, junto do plano de ação distribuído em 2022, é crucial. O aprendizado é importante. No caso das hortas, temos hortas comunitárias e privadas onde as mulheres aprendem técnicas para melhorar a produção. No entanto, enfrentam desafios como a falta de transportes para levar produtos para mercados maiores. É necessário melhorar a logística e conectar os centros de transformação às redes urbanas para evitar perdas na produção.
As mulheres investem o seu dinheiro normalmente em assuntos familiares: pagamentos da escola dos filhos, medicamentos, roupas, bem como pagamento da sua própria formação, mas ainda precisam poupar para fazer ganhos substanciais que realmente poderiam mudar as suas vidas. No caso das galinhas, esperava-se uma maior participação de mulheres no IG Galinhas, pois tradicionalmente são as mulheres que criam pequenos animais, mas isto não foi o que se verificou. Foi necessário um grande incentivo para obter a participação feminina, tornando-se um negócio familiar onde as tarefas são distribuídas entre marido e filhos adolescentes!
O “Estudo de Género” do Programa Ianda Guiné! faz uma análise abrangente dos desafios nacionais sobre género e direitos das mulheres, além de avaliar a integração da perspetiva de género no programa, abordando tanto os desafios nacionais como a integração igualitária do género nos programas e projetos desde o diagnóstico até a avaliação. Ele também sistematiza conhecimentos sobre a implementação de abordagens sensíveis ao género e compila lições aprendidas e recomendações para orientar futuros projetos da União Europeia, promovendo a igualdade de género e o empoderamento das mulheres na Guiné-Bissau.
O Estudo “Género e participação das mulheres no programa Ianda Guiné! – perspetivas e desafios de mudanças sociais“ está disponível aqui.